Visão Periférica

O cinema nacional, entre 1931 e 2015, apresenta mais de 80 anos de uma visão aguçada sobre a sociedade brasileira, na passagem do mundo rural para o urbano, a persistência da violência, da desigualdade social e das iniquidades provocadas pelo poder do estado. Obras autorais, que ficcionalizam fatos concretos, apresentam uma linguagem documentária como se estivessem fazendo um retrato sociológico destas questões no país. Os filmes acabam sendo uma espécie de glosa do que se produz na cinematografia desde clássicos como Limites (1931), Terra em Transe (1967), A Grande Cidade (1966) e O Assalto ao Trem Pagador (1962).Como disse o historiador francês Marc Ferro o cinema é uma contra análise da sociedade. 

No período, o Brasil passou de uma sociedade fortemente rural para uma sociedade quase que integralmente urbana. O país passou por um acentuado crescimento populacional, de 30 milhões para 200 milhões de habitantes.

Os níveis de escolaridade aumentaram, os níveis de acesso aos serviços mais fundamentais aumentaram, houve uma mudança significativa na composição da população, incluindo nessa mudança o aumento do conhecimento sobre direitos.

Afinal, nesse período, o país passou por ditadura e por redemocratização, de uma economia agrícola para uma economia industrial, sempre mergulhadas em crise. No período, novo repertório de direitos foi consagrado, mas, nos filmes, podemos nos perguntar: Que país é este?

Nesse período, o legado do Estado Novo e da Ditadura Militar foi sendo deixado para trás em prol de um estado neo-liberal, com redução de várias garantias de ordem trabalhista. As cidades cresceram e começou um modesto mas decidido processo de interiorização do desenvolvimento econômico. Várias instituições foram reformadas e houve um crescimento do acesso popular à justiça com a criação de juizados especiais e de defensorias públicas. As polícias passaram a sofrer mais pressões da sociedade civil e alguns mecanismos de controle do uso da força foram sendo ensaiados aqui e ali.

Os filmes indicados pelo projeto Visão Periférica mostram, no entanto, que os problemas da periferia só aumentaram e se agravaram, com a expansão do crime organizado, do consumo de drogas, com a corrupção politica, com as ligações perigosas entre polícia e crime, com as desigualdades sociais, com as condições de ausência de direitos de parte importante da população brasileira, que vive à margem do Estado de Direito, com a persistência de um gigantesco fosso entre o país das elites e das classes médias altas e os demais grupos sociais, que ainda buscam justiça e ficam à mercê dos usos privados de nossas instituições.

Essa realidade é visível, sabemos que existe, nos incomodamos com ela, mas como uma visão periférica, está borrada pela banalidade da violência e das iniquidades sociais.

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