A ascensão do Primeiro Comando da Capital (PCC) frente à omissão do Estado de São Paulo


Por Laura Faria Guirro e Gabriel Moreira Gnaccarini Villela

O crime organizado surge devido às condições de negligência do Estado de São Paulo, O PCC surgiu na década de 90 e de acordo com o anuário brasileiro, está entre as maiores facções do Brasil estando presente em 23 dos 26 Estados brasileiros. (MANSO; DIAS, 2021, p. 16). O massacre do Carandiru, que ocorreu no dia 2 de outubro de 1992, mostra claramente a negligência do Estado com as pessoas em cárcere, o PCC surge a partir desse massacre e seus lemas não deixam esquecer este dia.

Temos que permanecer unidos e organizados para evitar que ocorra novamente um
massacre, semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 2 de outubro de
1992, onde 111 presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais
será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando
vamos sacudir o sistema e fazer essas autoridades mudarem a prática carcerária
desumana, cheia de injustiça, opressão, tortura e massacres nas prisões. (MANSO;
DIAS, 2021, p. 69).

O PCC aparece como um “sindicato do crime”, trazendo a ideia de não violência entre os presos e tendo medidas para banir o uso de crack, onde o uso era comum nas penitenciárias, com o intuito de manter o controle dos membros da facção (MANSO; DIAS, 2021, p. 20) (MANSO; DIAS, 2021, p. 20). O crescimento da facção é beneficiado com o aumento da população carcerária, ocorre o batismo de novos membros que seguem os seus ideais, assim tornando-se um órgão mediador e regulador das relações sociais na cadeia (DIAS, 2009).

A negligência do governo do Estado de São Paulo em relação à existência do PCC, que só foi reconhecido oficialmente em 2001, ajudou a facção a se expandir nas entidades prisionais.        

Ascensão do Primeiro Comando da Capital

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública  (2018), o Primeiro Comando da Capital ocupa o primeiro o primeiro lugar no ranking das maiores facções brasileiras, localizando-se quase 90% dos Estados brasileiro, aproximadamente 88,46%. Ademais, no ano de 2018 o PCC passou a ter mais de 29 mil filiados no Brasil (MANSO; DIAS, 2021, p. 16).

Com as instituições públicas omissas nas garantias constitucionais, o PCC ganha visibilidade captando aliados enquanto o Estado de São Paulo se esgueira de suas próprias responsabilidades. A população carcerária, que tem seus direitos negligenciados pelo sistema governamental, consegue seu apoio no Primeiro Comando da Capital, que conquista cada vez mais territórios pelo Brasil. Oferecendo advogados e empréstimo de armas, ou seja, suporte para a sobrevivência externa nas penitenciárias, faz com que tais pessoas se sintam protegidas e privilegiadas por direitos que não são atribuídos aos mesmos à priori, mesmo que isso abra mão de sua própria autonomia.

“Os filiados perdem autonomia, assumem compromissos morais e financeiros, mas ganham a proteção e os privilégios de pertencer ao grupo – advogados que aceleram a progressão da pena, empréstimos de armas e capital para novos crimes, contatos com uma ampla rede de fornecedores de drogas e defesa contra concorrentes” (MANSO; DIAS, 2021, p. 18).

Com tal proteção social, o PCC aumenta gradativamente o seu poder geográfico, já que necessita, para sua manutenção interna, da expansão de seu mercado de drogas. Dada a questão, o judiciário de São Paulo se situa em conflito com a massa carcerária, já que a facção organiza todo o sistema prisional, e articula não só os detentos, mas todo o funcionamento das penitenciárias juntamente com os agentes públicos, para garantir a sua proeminência no mercado. Como é explicitado em:

“O Judiciário paulista, tão criticado pelo rigor em punir traficantes primários com a privação de liberdade, não tinha a mesma firmeza com peças estratégicas na organização do crime. Advogados bem pagos encontravam lacunas para facilitar a vida de seus clientes, evitando o cárcere mais duro. A Administração Penitenciária também respaldava a progressão de pena de lideranças da organização, concedendo atestados de bom comportamento para a decisão favorável dos juízes. A Polícia Civil, deslocada e esvaziada, não parecia fazer falta na estrutura da Justiça. Já o PCC continuaria fazendo aquilo que sabe fazer de melhor desde a sua fundação: prosperar aproveitando as brechas do sistema e se articular com os agentes públicos nessas rupturas, fortalecendo-se nas idas e vindas das políticas de segurança de São Paulo” (MANSO; DIAS, 2021, p. 65).

O crescimento exponencial do PCC nunca foi combatido pelas instituições governamentais e não ofereceram nenhuma estratégia para barrar esse “estado privado” em ascensão. O Estado, portanto, optou por se esgueirar das responsabilidades e deixar todo o poder institucional nas mãos dos agentes de segurança pública, como se passasse uma mensagem de que não haveria como combater uma facção da grandiosidade do PCC.

Sendo assim, o visível silêncio e desinteresse do Estado de São Paulo de discutir a proeminência de uma organização internas na penitenciárias, aliado ao modo racionalizado de funcionamento do PCC, que foram crescendo dentro das entidades prisionais, se aproveitando de todas as brechas constitucionais de garantia de direito para conseguirem aumentar o seu número de aliados.

Estação Carandiru

A relação entre PCC e o massacre do Carandiru é direta. O massacre do Carandiru mostrou apenas a essência destrutiva do Estado que por meio da polícia ordenou a chacina contra a rebelião da população carcerária. Este evento influencia o PCC, que tem o objetivo de jamais esquecer esse dia. O episódio foi marcado pela briga entre dois detentos que gerou a maior rebelião da história do país até então. Policiais militares de São Paulo foram convocados a intervir na rebelião e a ação gerou cerca de 111 mortos.

Durante os anos 90 as penitenciárias do Brasil, principalmente as do estado de São Paulo, enfrentavam o aumento da população carcerária e a resposta do Estado de São Paulo deixou claro que a única política para lidar com o aumento da população era apenas a construção de novas unidades para poder prender mais (DIAS,2009). Assim, as condições de vida das pessoas em cárcere se tornam extremamente desumanas, essa medida da construção desacompanhada do tratamento adequado às pessoas em cárcere aumentou a revolta e as rebeliões dentro dos presídios.

O massacre do Carandiru modificou o sistema carcerário brasileiro, levou às prisões as cidades do interior, retirando-os das áreas centrais. Essa medida fortaleceu o crescimento do PCC no Estado de São Paulo (BIONDI, 2018). Além de alimentar a revolta e inspirar a facção, também a fortaleceu com a medida de mudança dos presídios das áreas centrais.

Pode-se concluir, portanto, que o Estado foi um grande precursor das revoluções carcerárias e das revoltas sociais, uma vez que não cumpre com seu papel de regulador de direitos. É de extrema importância demonstrar a conexão entre a omissão do Estado e o nascimento do Primeiro Comando da Capital. Isso acontece, pois, quando se omite em seus deveres – garantir a dignidade humana –, cria um cenário de revolta social que culmina na união dos mais oprimidos para sua autorregulação. Tal omissão possui diversas vertentes que culminaram na ascensão do PCC.

Sendo assim, o PCC cresce pelo silêncio de instituições governamentais que sequer aceitavam sua existência, se tornando o principal comandante das fronteiras do narcotráfico. Quando o Estado se nega a prestar auxílio, alguém precisará ocupar o seu lugar, respondendo a opressão com opressão, a violência com violência, e chorando um preço caro pela tranquilidade nos morros e penitenciárias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIAS, Camila Caldeira Nunes. O Estado vendeu o preso e o PCC o comprou: Consolidação do PCC no sistema carcerário paulista. XIV Congresso Brasileiro Sociologia. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em:< https://carceropolis.org.br/media/publicacoes/O_Estado_vendeu_o_preso_e_o_PCC_o_comprou__SBS_2009.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2021.

MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila Nunes, A Guerra – A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil. 1ª ed., 2018. São Paulo: Todavia, 2021.

SANTOS, D. D.; JORGE, D. R. S. R.; SOUZA, E. R. de. O paradoxo da política de segurança pública: estado, PCC e a gestão da violência na cidade de São Paulo. Primeiros Estudos, [S. l.], n. 8, p. 105-124, 2017. DOI: 10.11606/issn.2237-2423.v0i8p105-124. Disponível em: .

VARELLA, Drauzio, Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

Laura Faria Guirro

Gabriel Moreira Gnaccarini Villela